26.07.23 | Brasil
CONIB inaugura novo quadro de entrevistas com delegada titular da Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância
A delegada Tatiana Bastos, recém-empossada na Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI) de Porto Alegre, abre o nosso novo quadro “Ponto de Vista” com revelações surpreendentes, como o aumento de quase 800% de grupos radicais que agem no País. Ela fala à CONIB sobre as ações que a polícia de Porto Alegre e da região metropolitana estão realizando contra grupos neonazistas e a mobilização policial no entorno e até dentro das escolas para evitar ataques de extremistas. Ela também relatou como agem na internet, pelo celular, os promotores de atos extremistas e como a polícia atua para localizar e deter esses grupos.
Negação do Holocausto
É chocante ver o nível de preconceito e até mesmo a negação de um genocídio hediondo, como o Holocausto, entre jovens que frequentam boas escolas e têm bom nível socioeconômico e cultural. Nos choca ver como se referem a minorias e buscam exterminar o que para eles são sub-grupos, ou sub-raças, agindo como se fossem seres superiores. Eles tomam essa ideologia como missão, buscando difundir o caos, através da intolerância e do discurso de ódio.
A internet como meio de captação
A maioria desses jovens e adolescentes são arregimentados nas redes sociais. E os aliciadores são também, na sua maioria, jovens, na faixa de 19 a 21 anos, alguns com experiência militar, ou que serviram o exército. O autor ou autores encontram nessas publicações um espaço para fazer uma abordagem mais específica. Começam adicionando os que ‘curtem’ determinado comentário e depois passam a debater com eles e a difundir suas ideias. Ou seja, começam falando sobre política, defendendo ideologia de extrema direita, e depois convidam os interessados para grupos fechados. Também promovem fóruns de encontros presenciais, mas a arregimentação é sempre via rede social. Depois passam a usar aplicativos de mensagens, cuja dificuldade de controle por parte dos órgãos de segurança é maior. Eles acabam atuando com mais liberdade dentro de espaços que chamamos de darkweb, uma rede de internet com pouco controle e de difícil fiscalização.
“Operação Acelerare”
Essa operação foi iniciada aqui na DPCI há cerca de seis meses. Começamos com o auxílio da Abin, que já monitora há bastante tempo esses grupos. Eles nos forneceram informações e alguns alvos. Essa operação teve início com quatro mandados de busca e apreensão focados nessas células aqui do estado de grupos extremistas de caráter neonazista, fascista, racista e antissemita. Esses grupos atuam na preparação de atentados, ataques a espaços públicos, a escolas com o objetivo de colapsar o sistema. Com essa operação impedimos um ataque a uma escola aqui da região e apreendemos grande material neonazista, com a cruz suástica, e armas brancas – facas e canivetes – e de fogo e muita munição.
Aumento de quase 800% de grupos radicais
Estatísticas sobre esses números ainda são muito recentes, até pela própria classificação de ocorrência, mas dados nacionais demostram que de 2019 para cá houve um aumento de 800% de grupos extremistas no País. Isso porque, antes, havia registros ainda tímidos sobre a existência desses grupos. Esses dados são extremamente preocupantes porque esses grupos radicais - os aceleracionistas, que são os grupos do nosso foco – visam realizar atos mais violentos, mais agressivos e, para isso, contam com a arregimentação de jovens, que são mais fáceis de manipular. A maioria desses jovens arregimentados tem ou tiveram problemas na escola, como bullying, e estavam mais isolados, segregados, e dentro desses grupos eles acabam encontrando um pertencimento, um acolhimento, que não tiveram antes. Então, eles acabam se sentindo valorizados e ficam à vontade para praticar atos violentos.
O que vemos é que eles fazem uma verdadeira lavagem cerebral nesses jovens e ficamos chocados quando ouvimos eles falarem com muita naturalidade sobre supremacia branca, ‘limpeza e higienização’ da raça humana, classificação de sub-raças e, principalmente, atacando o povo judeu, já que a maioria desses grupos é antissemita.
A Inteligência Artificial como aliada
A luta contra esses grupos tem sido um compromisso muito grande da Polícia Civil por intermédio da (DPCI) e em parceria com outros órgãos em operações que contam com a ajuda da Inteligência Artificial como aliada no monitoramento. E esse trabalho de inteligência tem que ser feito com muito cuidado, para não comprometer as provas e para evitar que se deflagre antecipadamente qualquer tipo de ataque.
Recado para os pais
Sabemos que a internet é uma terra sem fronteiros e é importante que os pais saibam o que os filhos estão fazendo, com quem eles estão conversando e o que estão acessando. É importante também que os pais estejam atentos principalmente às mudanças comportamentais de seus filhos, porque dificilmente esses jovens não vão mostrar algumas características em comum. São, em sua maioria, jovens que apresentam um comportamento fechado, de difícil convivência social, que sofrem ou até praticam bullying e com baixa autoestima. Essas alterações comportamentais aliadas a um discurso muito radical podem ser indício de que algo de errado está acontecendo. É importante que se diga que todos os jovens investigados moram com seus pais e, portanto, há formas de serem controlados. Eu diria a esses pais que mantenham a atenção sobre seus filhos, porque adolescentes e jovens tem sido os alvos principais desses grupos extremistas.
A DPCI foi inaugurada em 2020 e é responsável por investigar crimes de racismo, homofobia e injúria qualificada, que são ofensas de teor discriminatório. No primeiro ano de atividades, a Delegacia de Combate à Intolerância registrou 493 ocorrências. Em 2022, no segundo ano de operação, o número subiu para 617, de acordo com dados divulgados pela imprensa do Rio Grande do Sul.