20.10.25 | Mundo
“Ir a show de Kanye West é se sentar à mesa com nazistas”
Igor Sabino, gerente de conteúdo da StandWithUs Brasil, comenta, em artigo em O Globo de segunda-feira (20), o show do rapper americano Kanye West e seu longo histórico de antissemitismo. Leia a íntegra a seguir:
Há um ditado popular segundo o qual, quando dez pessoas estão sentadas à mesa e chega um nazista, mas ninguém se levanta, o local passa a ser ocupado por 11 nazistas. Se seguirmos essa métrica, poderíamos afirmar que é esperada uma concentração de 100 mil nazistas em 29 de novembro. Essa é a expectativa de público dos organizadores do show do rapper americano Kanye West, também conhecido como Ye, cujos ingressos de pré-venda esgotaram em uma hora depois de oferecidos no último dia 4.
Além do seu longo histórico de antissemitismo, não é exagero chamar Ye de nazista. Ele já afirmou diversas vezes que admira Hitler e já se autodeclarou nazista. Meses atrás, até lançou uma música intitulada “Heil Hitler”, que tinha no refrão uma saudação ao idealizador do genocídio de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
A música e o clipe acabaram retirados do ar. Ainda assim, em virtude disso, o visto para a Austrália foi negado a Ye, e ele foi impedido de se apresentar lá. O mesmo deveria acontecer aqui no Brasil, já que temos leis que criminalizam apologia ao nazismo. Mas o que esperar no contexto atual? Em meio ao aumento da atuação de grupos neonazistas e do discurso de ódio antissemita nas redes sociais, além de nada ser feito para combater a radicalização, o atual governo ainda quer retirar o país da Aliança Internacional em Memória do Holocausto.
Ye representa uma ameaça tão grande para a normalização do antissemitismo em escala global que não pode ser ignorado pelas autoridades brasileiras. Só nas redes sociais, onde costuma compartilhar mensagens de ódio aos judeus, tem mais seguidores do que o total da comunidade judaica mundial. Segundo a Liga Antidifamação, desde outubro de 2020, pelo menos 30 incidentes antissemitas com referências diretas ao rapper foram registrados nos Estados Unidos. No ambiente digital, a frase “Ye is right” passou a ser usada com frequência para o compartilhamento de conteúdo negacionista do Holocausto e de apologia ao nazismo.
Embora algumas vezes ele já tenha afirmado ter se arrependido desses posicionamentos, em seguida voltou a repeti-los de maneiras ainda piores. A postura antissemita de Ye não é fruto de seus problemas de saúde mental, como alguns tentam defender — na verdade, afirmar isso é até um insulto a quem sofre de distúrbios mentais, também alvos da ideologia nazista. Pelo contrário, o ódio que ele sente pelos judeus é teológico.
Ye parece acreditar nas ideias dos Black Hebrew Israelites, seita americana cujo credo prega que os negros são os verdadeiros descendentes do povo hebreu da Bíblia, e os judeus modernos são a “sinagoga de Satanás”, descrita em “Apocalipse 2:9”. É uma versão atualizada do libelo antissemita medieval segundo o qual os judeus foram responsáveis pela morte de Jesus.
Há ecos disso na própria arte de divulgação de seu show em São Paulo. O nome “Interlagos” aparece num acróstico de frases que podem ser consideradas “apitos para cachorro”, como o “Diabo em novas vestes” e até “Jesus é o Senhor”, termos bem parecidos com os usados por neonazistas para se referir a judeus nas redes sociais.
É ensurdecedor o silêncio daqueles que afirmam defender a democracia e combater o racismo diante disso tudo.
Igor Sabino, doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco e gerente de conteúdo da StandWithUs Brasil, é autor do livro “Jesus, um judeu: o absurdo do preconceito cristão contra o povo do Messias”