15.01.24 | Mundo

“Haia pode mudar o rumo da guerra em Gaza?”

Em artigo em O Globo, Natalie Rosen - israelense radicada no Rio de Janeiro, doutora em Direito (Universidade Hebraica de Jerusalém), advogada especializada em Direito Público Internacional e pesquisadora – destaca que o aspecto mais surpreendente da petição da África do Sul é a brevíssima menção ao massacre do Hamas em 7 de outubro. Diz o texto:

Depois de mais de 90 dias, a guerra em Gaza deixou um cenário de destruição e morte. Embora o Conselho de Segurança da ONU tenha permanecido num impasse, e a pressão política internacional não tenha sido capaz de deter as hostilidades, um possível ponto de virada poderá surgir em Haia. Em poucos dias, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) poderá tomar medidas severas, potencialmente obrigando Israel a pôr fim à guerra.

A CIJ, um ramo judicial independente das Nações Unidas, exerce dois poderes principais: emitir pareceres consultivos não vinculantes e emitir sentenças vinculantes nos litígios entre Estados. A África do Sul instaurou um processo contra Israel — apoiado pelo Brasil —, alegando que as suas ações em Gaza constituem genocídio e violam a Convenção do Genocídio de que ambos os países são parte. É importante ressaltar que a África do Sul também pediu à CIJ que ordenasse “medidas cautelares” antes de o caso ser julgado, incluindo ordenar a Israel um cessar-fogo imediato.

Confirmar o crime de genocídio — o mais grave crime internacional — exige um elevado nível de prova. Requer evidências de assassinato ou outras ações prejudiciais, cometidas com a intenção de destruir um grupo específico. Embora seja inequívoca a existência de numerosas vítimas em Gaza, provar a intenção específica de exterminar representa um desafio. Nesta fase das medidas cautelares, não há necessidade de provar o genocídio, mas de convencer a Corte sobre a plausibilidade de que as ações de Israel se enquadrem na convenção e de que são necessárias medidas urgentes para evitar danos maiores.

Para demonstrar a intenção específica, a África do Sul reuniu declarações provocativas e graves de oficiais do atual governo extremista de direita de Israel, incluindo apelos para “eliminar Gaza”. No entanto a emissão de avisos sobre ataques a alvos específicos, a facilitação de passagem segura para a evacuação e a permissão de ajuda humanitária podem ser interpretadas como inconsistentes com uma intenção genocida.

A ausência de fatos óbvios na acusação parece decorrer de uma estratégia jurídica. Os crimes de guerra são crimes de responsabilidade individual e não poderiam ser julgados pela CIJ. A opção pelo enquadramento na Convenção do Genocídio foi um instrumento para que o caso pudesse ser recebido pela CIJ. A intenção de acessar a CIJ a qualquer custo enfraquece o argumento de mérito — e, se é improvável que o gravíssimo crime de genocídio tenha sido cometido, também são reduzidas as chances de uma medida cautelar concluir neste momento que é o caso de genocídio. Diferente seria se a acusação da África do Sul, apresentada em outro foro, se centrasse na dúvida razoável sobre se houve desproporcionalidade ou crimes de guerra em ações específicas de Israel.

Além de impositiva para Israel, uma eventual decisão que identifique, prima facie, elementos de genocídio teria um peso político e operacional significativo para o país. Seja qual for a medida cautelar emitida pela Corte — se houver alguma —, espera-se que inclua também a obrigação, para o Hamas, de libertação imediata de todos os reféns israelenses.


Receba nossas notícias

Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Invalid Input

O conteúdo dos textos aqui publicados não necessariamente refletem a opinião da CONIB. 

Desenvolvido por CAMEJO Estratégias em Comunicação