19.02.24 | Mundo

“Agência da ONU deve acabar, pelo bem dos palestinos”

Em artigo publicado em O Globo neste domingo (18), Igor Sabino - doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), gerente de conteúdo da StandWithUs Brasil e pesquisador do Philos Project – aborda a atuação da agência da ONU para refugiados palestinos – a UNRWA – e questiona a sua existência. Veja a seguir a íntegra do texto:

Nos últimos dias, vários países suspenderam suas doações à UNRWA, a agência da ONU para refugiados palestinos. Entre eles, importantes doadores, como Estados Unidos e Alemanha. Tudo isso após denúncias de que funcionários da organização mantêm relações com o Hamas e até participaram do massacre de 7 de outubro, no sul de Israel. Alguns deles chegaram até a manter reféns israelenses em cativeiro.

Também há evidências de que um centro de dados e operações militares do grupo terrorista funcionava embaixo da sede da UNRWA na Faixa de Gaza. Há agora um intenso debate sobre o futuro da agência da ONU, sobretudo depois da guerra, tendo em vista seu papel no fornecimento de ajuda humanitária e gerenciamento de escolas e hospitais nos territórios palestinos.

A UNRWA corre o risco de que suas operações sejam suspensas. Isso tem levado diversos ex-doadores a repensar novas formas de fornecer ajuda humanitária aos palestinos, por meio de outras organizações já existentes. O Brasil, contudo, tem ido na contramão dessas democracias. Nesta semana, em discurso no Cairo, durante encontro da Liga Árabe, o presidente Lula afirmou que, embora apoie as investigações sobre o envolvimento da UNRWA com o Hamas, este não é o momento de fechá-la e disse que aumentará as doações brasileiras. Ele praticamente reiterou o discurso que já fizera a representantes árabes durante encontro na embaixada da Palestina em Brasília dias atrás.

A postura brasileira é lamentável. Não apenas pelas claras evidências que atestam a instrumentalização da UNRWA pelos terroristas do Hamas. No livro “A guerra do retorno”, publicado em 2020, os cientistas políticos Adi Schwartz e Einat Wilf já denunciavam outros problemas que questionam a própria função dessa agência. Entre eles, destaco a excepcionalidade da definição de refugiado aplicada aos palestinos, justificando a existência da UNRWA.

A agência foi fundada em 1950, a fim de atender às necessidades dos cerca de 700 mil árabes que perderam suas casas durante a Guerra de Independência de Israel, em 1948. Um número igual ou maior de judeus foi forçado a sair dos países árabes nessa guerra e em anos posteriores, mas nunca recebeu ajuda da ONU. Israel os acolheu. Na época, ainda não havia a Convenção de Genebra sobre Refugiados, aprovada em 1951, nem o Acnur, a agência da ONU para refugiados. Inicialmente, ambos teriam escopo territorial limitado e seriam temporários. A UNRWA ficaria responsável apenas pelos refugiados palestinos no Oriente Médio, o Acnur pelos europeus deslocados pela Segunda Guerra Mundial.

No entanto, em 1967, o escopo do Acnur foi ampliado e passou a abarcar todos os refugiados do mundo. Com isso, a UNRWA deveria ter sido extinta, e os palestinos ficariam sob o mandato do Acnur. Ocorreu o oposto: o Acnur passou a definir como refugiado qualquer pessoa obrigada a deixar seu país de origem por alguns tipos específicos de perseguição. A UNRWA seguiu definindo como tal apenas aqueles que viviam na região da Palestina entre 1º de junho de 1946 e 15 de maio de 1948 e haviam perdido suas casas durante a guerra de 1948, inclusive os que se deslocaram internamente.

As consequências têm sido desastrosas. Os refugiados do Acnur têm a possibilidade de ser integrados ao país para o qual fugiram ou reassentados num terceiro quando não é possível voltar, como os palestinos. A UNRWA, porém, não oferece esse tipo de solução. Assim, há 6 milhões de pessoas que hoje se consideram refugiados palestinos, a maioria filhos, netos e bisnetos dos verdadeiros refugiados. A maioria mora na Cisjordânia, em Gaza, no Líbano, no Egito, na Síria e na Jordânia em condições terríveis. Os netos e bisnetos dos demais refugiados do mundo não são refugiados, mas cidadãos dos países onde nasceram. Se fossem tratados desse modo, esses palestinos viveriam melhor, com mais direitos. Isso teria evitado grande sofrimento. E não impede que, se um Estado palestino for criado no futuro, quem quiser possa morar nele.

Pelo bem dos palestinos, portanto, a UNRWA deve acabar.


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