07.05.24 | Mundo
“Protestos nos EUA revelam inépcia das universidades”
Editorial de O Globo, publicado no sábado (4), destaca a incapacidade das universidades americanas de combater o antissemitismo nas manifestações pró-palestinos. Segue a íntegra do texto:
A onda de protestos contra Israel que tomou conta das universidades americanas revela a incapacidade dessas instituições para lidar com o conflito entre dois valores essenciais ao mundo acadêmico: a proteção às minorias e a liberdade de expressão. Manifestações e acampamentos pró-Palestina têm sido alvo de ações policiais que já resultaram em mais de 2 mil prisões. A repressão se espalhou de Nova York a Los Angeles, de Portland a Nova Orleans, a ponto de o presidente Joe Biden, alvo dos manifestantes pelo apoio a Israel depois dos ataques do grupo terrorista Hamas, afirmar que os americanos têm “direito de protestar, mas não a causar o caos”.
É importante lembrar que, nos Estados Unidos, vigoram leis mais elásticas sobre liberdade de expressão que nos países europeus ou no Brasil. Lá, manifestações de racismo, nazismo ou antissemitismo são legais, desde que não representem ameaça imediata de dano físico e que não se dirijam contra alvos específicos. Mas diversas manifestações ultrapassaram até esse limite, com invasão de prédios e acampamentos, em violação das normas universitárias, distúrbios à circulação e à ordem. “Destruir propriedade não é protesto pacífico. É contra a lei”, disse Biden. “Vandalismo, invasão, quebrar janelas, fechar o campus e forçar o cancelamento de aulas e cerimônias de graduação, nada disso é protesto pacífico. Ameaçar, intimidar, instilar medo não é protesto pacífico. É contra a lei. Dissenso é essencial à democracia, mas dissenso não pode levar à desordem.”
Parte dos protestos foi infiltrada por militantes interessados em fazer pressão política. É estarrecedor, nesse contexto, o avanço do antissemitismo, disfarçado de antissionismo. Organizações judaicas contaram 1.400 incidentes antissemitas em universidades desde os ataques de 7 de outubro até 26 de abril (700% acima de 2023). Uma pesquisa constatou que, depois dos atentados, 73% dos universitários judeus sofreram ou testemunharam antissemitismo. Na Universidade Columbia, um dos focos dos protestos, alunos judeus foram cercados, outros assediados como alvos do Hamas ou ainda enxotados aos gritos de “voltem para a Polônia”. É intolerável e vergonhoso.
Por óbvio, não se pode atribuir caráter antissemita a protestos legítimos contra a ação de Israel em Gaza. O direito à livre manifestação precisa ser respeitado na maior extensão possível. Mas isso não inclui perseguir alunos judeus ou intimidá-los (eles não se confundem com o Estado de Israel). Desde o início está patente a dificuldade das universidades com o tema. No Congresso, as reitoras das universidades Harvard e da Pensilvânia foram incapazes de responder até se incitar o genocídio de judeus violava regras universitárias. A resposta ambígua delas contradizia a vigilância para proteger outros grupos marginalizados. Desde o depoimento, instituições acadêmicas estão às voltas com questionamento sobre combate ao antissemitismo, em particular de seus mantenedores.
A reação foi errática. Em Columbia, a reitora aceitou negociar com congressistas termos disciplinares sobre professores considerados antissemitas e chamou a polícia ao campus para reprimir os protestos. Com isso, nem protegeu os alunos perseguidos nem garantiu a liberdade de expressão. As universidades demonstram ser incapazes de combater o antissemitismo e são ineptas para preservar o direito à manifestação de seus alunos nos limites da lei.