07.10.25 | Mundo
“Antissemitismo à brasileira mostra sua cara”
Em artigo em O Globo desta terça (7), David Diesendruck comenta o crescimento do antissemitismo no Brasil e no mundo, como consequência da guerra em Gaza, e afirma que “seria importante que o governo (brasileiro) fizesse uma distinção mais clara entre críticas ao governo israelense e os judeus”. Leia a seguir a íntegra do artigo:
Em 7 de outubro de 2023, há exatos dois anos, o grupo terrorista Hamas invadia Israel para cometer uma série de atrocidades, que ceifaram a vida de mais de 1.200 pessoas. Naquele fatídico dia, outras centenas foram sequestradas — 48 delas continuam em cativeiro —, dando início ao conflito que, infelizmente, segue em curso.
Após dois anos, para além de tantas e tantas mortes registradas diariamente, temos visto uma sequela que não deve ser ignorada: o crescente ódio contra os judeus. No último dia 2, durante o Dia do Perdão, data mais sagrada para a comunidade judaica, um atentado terrorista contra uma sinagoga em Manchester, no Reino Unido, terminou em duas pessoas assassinadas. Foi, mais uma vez, o terror impulsionado pelo antissemitismo.
É necessário compreender como esse ódio surge e se movimenta. Nesse sentido, uma pesquisa do Instituto Brasil-Israel com o Instituto de Pesquisa IDEIA, realizada entre junho e novembro de 2024, trouxe importantes revelações acerca do tema no Brasil: 80% dos entrevistados não sabem o que significa o termo “antissemita” ou “antissemitismo”. E 85% desconhecem o sentido de “antissionista” ou “antissionismo”.
Os dados escancaram um grau preocupante de desconhecimento da população brasileira sobre o tema. Para a maioria, Israel, israelenses, judeus e sionistas são a mesma coisa. Entre os que conhecem o termo antissemitismo, 61% acreditam que ele está crescendo no Brasil.
As posições políticas, religiosas e o grau de escolaridade influenciam os resultados: quanto mais religiosos e mais à direita os entrevistados, maior a simpatia por Israel e pelos judeus; níveis mais baixos de escolaridade estão associados a menor conhecimento sobre o tema.
O estudo combinou análises quantitativas e qualitativas e monitorou redes sociais, entrevistou 2.073 pessoas em todo o país, promoveu grupos focais e utilizou sondagens técnicas qualitativas. Os dados merecem atenção por várias razões.
Primeiramente, o período em que a pesquisa foi realizada. De lá para cá, com a instalação da crise humanitária em Gaza, se presume o agravamento dessa percepção negativa sobre Israel.
No campo político, o Brasil rompeu com sua histórica tradição de neutralidade diplomática. O país entrou no processo da Corte Internacional de Justiça, que julga a ação por genocídio movida pela África do Sul contra Israel, além de se retirar como país observador da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, o que reforça as conclusões da pesquisa sobre a confusão conceitual e suas consequências.
Para brasileiros judeus, tendo em vista o amplo desconhecimento sobre o antissemitismo, seria importante que o governo fizesse uma distinção mais clara entre críticas ao governo israelense e os judeus. Essa confusão impede que se separem uma oposição legítima ao atual governo israelense do combate ao antissemitismo e, pior, alimenta estigmas e preconceitos.
O antissemitismo sempre foi explorado por grupos políticos radicais, especialmente fascistas, como estratégia para mobilizar apoios e recuperar legitimidade. No momento em que a discussão sobre o ódio aos judeus é esvaziada em prol de pautas difusas, perde seu sentido real, e a capacidade de enfrentar o antissemitismo fica comprometida; um comportamento danoso não apenas aos judeus, mas a todas as minorias do país. Quando o preconceito é normalizado perante qualquer minoria, todas as demais correm perigo.
No aniversário de dois anos do 7 de outubro, com a continuidade de uma guerra sem sentido, a oposição à guerra é importante e deve andar lado a lado com o combate ao antissemitismo, sem tratar as pautas como sendo opostas.