10.10.25 | Mundo

“Um passo para fora do inferno”

Em editorial publicado nesta sexta-feira (10), o jornal O Estado de S.Paulo destaca que “as forças que lutam pela paz no Oriente Médio venceram uma batalha, mas não a guerra – que só terminará quando o Hamas for desarmado e os palestinos forem libertados de seu jugo”. Leia a seguir a íntegra do texto:

As ruas de Israel e de Gaza choraram de alívio. O mundo pode – e deve – se congraçar com israelenses e palestinos, mas não descansar. O cessar-fogo é um marco histórico, o primeiro passo para fora do inferno. Mas é apenas o começo de algo promissor, não o fim de nada.

A trégua em Gaza, a partir do plano apresentado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, representa um raro consenso entre exaustão e necessidade. Israel recupera seus filhos; os palestinos, um respiro entre ruínas; e o mundo, a esperança de que a política volte a ocupar o lugar das armas. Ainda assim, o que começa com alívio deve prosseguir com vigilância. A pausa não é paz: é um intervalo que precisa ser preenchido por disciplina, constância e pressão moral sobre todos os lados, principalmente sobre o Hamas.

A primeira fase do acordo é uma vitória humanitária e simbólica. A segunda será o verdadeiro teste da paz. Três perguntas pairam: o Hamas aceitará se desarmar? Israel cumprirá a retirada militar prometida? E quem governará e reconstruirá Gaza? Sem respostas firmes a essas questões, o cessar-fogo, em vez de ser o prelúdio de uma paz duradoura, corre o risco de converter-se em interlúdio de uma catástrofe ainda pior.

A condição primeira da paz é moral: o Hamas é não só um inimigo da humanidade em geral, e de Israel em particular, mas é o maior inimigo dos próprios palestinos. Nenhum processo de reconstrução será viável enquanto Gaza permanecer sequestrada por uma milícia que fez da tirania o seu método e do sacrifício humano a sua gramática política. Obliterar o Hamas – militar e politicamente – não é um capricho israelense; é uma exigência civilizatória. Após a libertação dos reféns israelenses, é preciso libertar a população de Gaza do cativeiro do Hamas.

Israel terá de provar que é capaz de conter o instinto de vingança e respeitar as linhas acordadas. Os países árabes precisam pressionar o Hamas a se desarmar, integrar e financiar a reconstrução sob controle internacional e dar legitimidade regional ao processo. O Egito precisa se envolver ainda mais diretamente. A pressão do Catar e da Turquia foi decisiva, mas é preciso abandonar as ambivalências: não podem mais agir como padrinhos indulgentes do extremismo. Cabe-lhes usar sua influência não para proteger o Hamas, mas para encurralá-lo e pavimentar o caminho de uma administração civil em Gaza. A ONU e a Europa precisam investir não em retórica, como de hábito, mas em garantias concretas de monitoramento e transparência na reconstrução, evitando que a ajuda humanitária se converta em capital político para o extremismo.

Nesse esforço coletivo, Washington continuará a ser o eixo indispensável: só os EUA têm poder e credibilidade suficientes para impor contenção a Israel e compressão a seus interlocutores árabes. A diplomacia de Donald Trump merece crédito: arrancou concessões simultâneas de inimigos acostumados a só falar a linguagem da força. Mas será preciso, daqui em diante, algo que costuma faltar ao próprio presidente – constância, método e paciência – para consolidar o que foi conquistado. A paz não se mantém por explosão de vontade, mas por disciplina diária.

O desafio agora é reconstruir – física e moralmente – um território exaurido. Gaza precisará de um governo técnico e legítimo, amparado por uma força internacional estável e por uma arquitetura de reconstrução transparente que integre progressivamente as forças moderadas palestinas, até lhe franquear o poder. Mais do que muros, será preciso erguer instituições. Se o dinheiro do Golfo e a normalização árabe-israelense forem usados com sabedoria, a trégua poderá converter-se em ponte para o futuro.

Por ora, o mundo assiste a um raro instante em que as bombas se calam e as orações são ouvidas. Mas a história de Gaza ensina que o silêncio das armas não é sinônimo do fim da guerra. Israelenses e palestinos deram um passo para fora do inferno e começam a atravessar o purgatório da reconciliação. Para que, desta vez, a travessia não se perca, e nada nem ninguém os arraste de volta às trevas, é preciso que o Hamas fique, de uma vez por todas, para trás.


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