13.10.25 | Brasil

“O governo Lula e o antissemitismo”

Editorial de O Estado de S.Paulo deste sábado (11) destaca que “a retirada do Brasil da Aliança de Memória do Holocausto é ideológica e injustificável”. “Mais do que retrocesso diplomático, é perversão moral, com prejuízos duradouros para os judeus brasileiros”. Leia a seguir a íntegra do texto:

Há poucos dias, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse à Comissão de Relações Exteriores da Câmara que o Brasil se retirou da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA, na sigla em inglês), em 18 de julho passado, porque o instrumento de adesão, em 2020, estava “eivado de erros de forma”.

Segundo o ministro Vieira, não houve consulta prévia ao Congresso, razão pela qual faltou previsão orçamentária para a contribuição à IHRA (10 mil euros anuais), “deixando o Executivo brasileiro vulnerável a justos questionamentos por parte dos órgãos de controle”. O discurso em defesa da prudência no uso do dinheiro público, contudo, mal esconde o que parece ser a verdadeira motivação da retirada do Brasil da IHRA: marcar posição contra Israel.

A IHRA foi formada em 1998 com o objetivo de reforçar a educação sobre o Holocausto, diante da ignorância generalizada dos jovens europeus sobre o extermínio dos judeus na 2.ª Guerra. Logo conseguiu a adesão de diversos países, dentro e fora da Europa. Em 2016, decidiu adotar uma definição de antissemitismo para orientar o acompanhamento de ataques a judeus no mundo.

Segundo essa definição, antissemitismo é “ódio aos judeus” a partir de uma “determinada percepção dos judeus” e que se manifesta por meio de violência retórica ou física contra “indivíduos judeus e não judeus e/ou contra os seus bens, contra as instituições comunitárias e as instalações religiosas judaicas”. A questão central aqui é que, entre os exemplos de antissemitismo citados pela IHRA, estão alguns que dizem respeito a Israel, e é isso o que o governo brasileiro não aceita.

O chanceler Mauro Vieira expressou essa contrariedade ao apontar o que chamou de “total falta de clareza” por parte da IHRA “quanto aos limites do discurso e da ação política legítima em relação ao sionismo, a Israel e à Palestina”. Em seguida, o ministro atacou a “instrumentalização do antissemitismo para inibir críticas contra as graves violações de direitos humanos e ao Direito Internacional humanitário na Faixa de Gaza e na Cisjordânia cometidas pelo atual governo israelense”.

Ocorre que a IHRA, ao contrário do que disse o ministro Vieira, deixa claro que “críticas a Israel semelhantes às dirigidas a qualquer outro país não podem ser consideradas antissemitas”. Para a IHRA, no entanto, é antissemita quem aplica a Israel “padrões duplos ao exigir um comportamento não esperado ou exigido de nenhuma outra nação democrática” e “estabelece comparações entre a política israelense contemporânea e a dos nazistas” – que é exatamente o que o governo Lula faz.

Mas o chanceler Mauro Vieira escolheu ignorar as nuances do conceito de antissemitismo formulado pela IHRA e partiu para uma interpretação ardilosa, ao dizer que “aceitar que a crítica às políticas adotadas por Israel seja equiparada a antissemitismo equivaleria a acusar milhares de cidadãos israelenses, judeus, que se opõem ao governo do primeiro-ministro israelense, também de serem antissemitas”. A má-fé da declaração é gritante: o conceito de antissemitismo da IHRA obviamente não se presta a condenar cidadãos israelenses que não gostam de seu governo, e sim pessoas ou governos que vilanizam Israel em qualquer circunstância, mesmo que Israel esteja exercendo seu direito de se defender, como faria qualquer país em situações semelhantes.

Isso tudo é muito coerente com a visão de esquerda, prevalecente no governo de Lula da Silva, segundo a qual Israel é um país criado pelo imperialismo ocidental para roubar terras e explorar os palestinos. Eis aí por que o chanceler Vieira se queixou dos supostos “limites” impostos pela IHRA à “ação política legítima em relação ao sionismo” – referência ao movimento de autodeterminação do povo judeu. Para a esquerda, como se sabe, sionismo é sinônimo de racismo e nazismo.

Que militantes de esquerda disfarcem seu antissemitismo dizendo-se “antissionistas”, é compreensível; que o governo brasileiro se preste a isso quase oficialmente, abandonando, sob argumentos burocráticos e ideológicos, uma organização dedicada a preservar a memória do Holocausto, é profundamente lamentável, pois manda aos antissemitas a mensagem de que sua hostilidade aos judeus brasileiros é não só aceitável, mas justa.


Receba nossas notícias

Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Invalid Input

O conteúdo dos textos aqui publicados não necessariamente refletem a opinião da CONIB. 

Desenvolvido por CAMEJO Estratégias em Comunicação