29.10.25 | Mundo
“Paz como reconstrução do futuro”
Em artigo no Último Segundo, o presidente da CONIB, Claudio Lottenberg, afirma que o futuro do Oriente Médio não será escrito por ideologias. “O desafio do presente é desarmar os traumas. Entender que o inimigo de ontem pode ser o parceiro de amanhã. Que o respeito à diferença é o primeiro passo da reconciliação. O futuro do Oriente Médio não será escrito por ideologias, mas pela capacidade de cada povo de compreender que a paz é mais do que um cessar-fogo: é um pacto de dignidade entre culturas que aprenderam a coexistir sem precisar se anular”. Leia a seguir a íntegra do texto:
O Oriente Médio atravessa um dos períodos mais desafiadores de sua história recente. As dores do presente ainda ecoam, e as cicatrizes do passado continuam a moldar percepções, reações e desconfianças. Mas é justamente quando as feridas parecem mais abertas que se deve ter coragem de olhar adiante — e compreender que a paz verdadeira só floresce quando o mundo tem coragem de distinguir com clareza o que é terrorismo e o que é legítima defesa.
Enquanto essa distinção moral não for feita com honestidade e coerência, o discurso de paz continuará prisioneiro da ambiguidade. O Oriente Médio não pode seguir sendo vítima de ideologias externas, que projetam sobre a região seus próprios debates e polarizações. A busca pela paz ali nada tem a ver com imposições ideológicas, mas com a construção paciente de uma convivência possível.
Não se trata, neste momento, de exportar modelos de democracia como se fossem moldes universais. Os países árabes têm suas próprias tradições, culturas políticas e ritmos históricos, distintos dos ocidentais. Querer reconfigurar o entendimento de uma cultura é um equívoco que nasce da arrogância — e que frequentemente gera mais ressentimento do que respeito.
A convivência deve ser edificada sobre o reconhecimento das diferenças, e não sobre a tentativa de negá-las. O respeito à diversidade de sistemas não impede a aproximação; ao contrário, a torna mais autêntica. E mais: é preciso aceitar os resultados democráticos que, por vezes, conduzem ao poder correntes políticas com as quais não se concorda. Rejeitá-las por divergência ideológica seria professar a mais absurda das contradições — a da democracia seletiva.
Quando o mundo compreender essa lógica, a paz baseada em dois Estados que se respeitem mutuamente deixará de ser um slogan e poderá se converter em um caminho real. Essa paz tem o potencial de transformar o Oriente Médio em um espaço de integração e desenvolvimento, à semelhança da Europa no pós-guerra.
Israel é exemplo de superação. Sem grandes recursos naturais, tornou-se um dos principais polos de inovação tecnológica do planeta. Mas é também um país que nasceu sob ameaça constante — e que, por isso, continuará a se defender enquanto houver forças que neguem o seu direito de existir e busquem macular o princípio inalienável da autodefesa. Nenhuma nação pode ser condenada por exercer o mais elementar dos direitos: proteger seu povo e sua soberania.
Ao mesmo tempo, é imperativo olhar para Gaza com senso de responsabilidade global. A reconstrução da região deve ser um projeto internacional, coordenado por organismos multilaterais e sustentado pela cooperação de países árabes e ocidentais. Todos aqueles que, ao longo do conflito, se colocaram na posição de críticos agora precisam assumir também o papel de construtores — transformando palavras em compromisso, e indignação em solidariedade concreta. O futuro dos palestinos não pode estar refém do extremismo, mas deve ser alicerçado no desenvolvimento, na educação e na esperança.
Muitos criticaram a postura dos Estados Unidos durante o conflito, mas é fato que, por meio de uma diplomacia discreta e pragmática, Washington foi capaz de promover o cessar-fogo que hoje permite vislumbrar uma trégua e uma reconstrução possível. Nesse novo cenário, observa-se também uma aproximação do Brasil com os Estados Unidos, um movimento que recoloca o país no eixo das grandes conversas internacionais. Trata-se de uma oportunidade rara para que o Brasil reforce sua vocação histórica de mediador, não pela defesa das identidades, mas pelo respeito às diferenças — princípio que deve nortear tanto a política externa quanto a convivência interna de uma nação plural.
O desafio do presente é desarmar os traumas. Entender que o inimigo de ontem pode ser o parceiro de amanhã. Que o respeito à diferença é o primeiro passo da reconciliação. O futuro do Oriente Médio não será escrito por ideologias, mas pela capacidade de cada povo de compreender que a paz é mais do que um cessar-fogo: é um pacto de dignidade entre culturas que aprenderam a coexistir sem precisar se anular.